Sim, planejamento e gestão é para todos e para todas as profissões. Abaixo entrevista feita com Carlos Augusto Vieira Ilgenfritz Cilgenfritz, médico, Medicina de Família e Comunidade (MFC) e Acupunturista.
DSV: Carlos, porque Medicina?
Carlos Augusto Vieira Ilgenfritz Cilgenfritz: Não vou dizer o clichê de salvar vidas. Vendo retrospectivamente acredito que trabalhar com o que trabalho não foi planejado. Foram situações que fui vivenciando que me trouxeram para cá. Desde criança eu dizia que queria ser médico. Sinceramente não sei de onde tirei isso. Cresci no interior, filho de professores, neto de uma professora e um alfaiate. Não tive exemplos de médico na família. Não tive experiência de adoecimento importante na família durante a infância. A minha memória mais remota de médico era o Dr. Silvano, que era meu pediatra - mas que eu não tinha um vínculo marcante e que reconhecesse que foi por conta especificamente dele. Cresci com a ideia de ser médico porque eu gostava de estar com pessoas e ouvir histórias.
DSV: Por que Médico de Família e Acupunturista?
Carlos Augusto Vieira Ilgenfritz Cilgenfritz: Hoje eu reconheço que estou no lugar onde estou porque não tem outro espaço onde eu possa me enquadrar. A faculdade para mim foi muito difícil - é um ambiente muito competitivo, com pessoas competitivas. O ambiente hospitalar era muito difícil para mim. Hoje, eu entendo que o ensino médico que eu tive por 6 anos não se encaixava na minha forma de trabalhar. Recebi o diagnóstico de Altas Habilidades só aos 32 anos e entendi que muito do meu sofrimento vinha da forma que eu não concordava na aprendizagem médica. A gente vê a diabetes, a vesícula, o câncer, a anemia. Mas a gente não para nesses 6 anos para ver o indivíduo que está ali. Com isso eu cresci na graduação achando que eu faria psiquiatria: na verdade, eu via na psiquiatria o estilo de trabalho que acredito, que é ouvir as pessoas, trabalhar baseado no vínculo, baseado na longitudinalidade.
Eu só entendi que este tipo de trabalho que acredito existe, mas apenas a Medicina de Família e Comunidade (MFC) é a especialidade que eu consigo ser útil. Eu gosto de estudar doenças, entender o mecanismo da coisa, os tratamentos, os diagnósticos diferenciais e o acompanhamento. Mas muito mais do que apenas isso tem o indivíduo que experimenta a doença, a família que convive e o impacto comunitário que isso tem. Trato asma, hipotireoidismo, hipertensão e muitas outras coisas porque só a MFC permite que eu veja na perspectiva da pessoa e não da doença.
A Acupuntura entrou de forma despretensiosa na minha vida. Durante a residência, a minha colega Mayara (cujo livro mais recente eu indiquei ali na lista) estava concluindo a pós. O meu contato começou na verdade pelo agulhamento seco. Eu tinha na residência uma demanda muito grande de pessoas com dor crônica. Se a gente parar para ver os dados, a dor - principalmente musculoesquelética- é uma das queixas mais frequentes no ambulatório do generalista e uma das causas mais comuns de abono ao trabalho e perda de qualidade de vida. Prescrever dipirona e fisioterapia para todo mundo não é a solução - e dentro do Sistema Único de Saúde não é sustentável porque mesmo botando toda a grana possível, não existe recurso para todo mundo. Daí eu comecei a estudar para ser o mais resolutivo possível. Eu comecei a estudar síndrome dolorosa miofascial e agulhamento seco na residência. Para entrar na acupuntura e Medicina Chinesa foi um pulo: Comecei a pós-graduação no segundo ano da residência pela Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRIGS), quando concluí, fiz a prova de titulação pela Associação Médica do Brasil (AMB) e Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA) em 2022.
Médico de Família tem isso. A literatura refere que somos a especialidade médica que idealmente consegue resolver de 80 a 90% das demandas em saúde independentemente de gênero e idade. Mas para manter isso, cada MFC deve "construir sua maleta" de acordo com sua realidade. Isso é muito estranho (mas faz todo sentido), porque o Médico de Família que "habita" em mim precisa do Acupunturiatra para ser resolutivo. Mas o Acupunturiatra precisa do Médico de Família para não ser tão específico. Acredito que o meu melhor é pegar o potencial das duas fontes.
DSV: Em qual momento sei que preciso de um profissional como você para melhorar e potencializar meu cotidiano de vida?
Carlos Augusto Vieira Ilgenfritz Cilgenfritz: A Medicina de Família e Comunidade é a especialidade médica que tem uma perspectiva de crescimento nos próximos anos. Eu brinco com meus pacientes que eu sou uma peça rara, porque somos apenas 7149 médicos especializados (com RQE ativo) no Brasil pelo último Censo do CFM e crescemos 30% nos últimos quatro anos segundo a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).
Quanto tu me pergunta "em qual momento sei que preciso", reforça a ideia de "qual doença ou problema eu preciso ter". A gente tem o costume de sempre se enquadrar em algum especialista: diabetes o endócrino vê, cefaleia o neuro dá conta, médico da "mulher" é o ginecologista. O geriatra vê o idoso e toda criança precisa do seu pediatra. Eu acho que seguindo esta lógica, vou responder parafraseando uma professora minha da residência (Dra. Carmen Fernandes): "O Médico de Família e Comunidade é o especialista do comum". Desta forma, a gente é o especialista de doenças metabólicas, infecciosas, respiratórias, digestivas, ginecológicas, cardiológicas, urológicas, dermatológicas, hematológicas e de qualquer outro sistema que seja comum e prevalente independentemente de idade e gênero. Por isso que lá na minha UBS eu faço pré-natal, puericultura, acompanho diabetes, hipotireoidismo, faço os rastreios de cânceres preconizados pelo Ministério da Saúde, prescrevo medicação para HIV, Sífilis, reviso situação vacinal. Não tem glamour nenhum de Dr. House, mas a minha especialidade está aí para ser resolutiva pelo menos em 80% dos casos. No momento que isso começa ficar fora do comum, eu compartilho o cuidado com um especialista focal.
No meu consultório é um pouco diferente. Como falei anteriormente, o Médico de Família é um clínico qualificado que deve se adequar ao perfil da sua população. Eu trabalho majoritariamente com pessoas com dor crônica. Não existe formalmente este termo - Médico de Família com habilidades específicas - mas eu estou um Médico de Família de pessoas com dor crônica prevalentes. É um perfil de paciente diferente. Quando a gente fala do cenário de dor crônica existe um grande problema que é a coordenação do cuidado: geralmente pessoas com dor crônica já foram no ortopedista, reumato, neuro, fisioterapia, dentista, terapeuta ocupacional, psicólogo e vive numa grande colcha de retalho e não tem nenhum profissional que costure tudo isso - e isso muitas vezes é a chave de um tratamento de sucesso. Cada especialista focal (e o acupunturiatra se enquadra nisso) vai ver dentro da sua perspectiva e naquilo que foi treinado. Se foge disso, "não tem muito o que fazer".
Por isso, que dentro da barriga da mãe até o finalzinho, toda pessoa merece um Médico de Família porque em todas as situações um Médico de Família tem muito a contribuir e no cenário hoje onde há segmentação do cuidado (que até certos casos são necessários), ter um profissional que vai contra isso e enxergue o indivíduo e sua família por trás da doença é muito necessário (inclusive em desfechos de saúde).
DSV: Quais os benefícios em consultar um médico com suas especializações?
Carlos Augusto Vieira Ilgenfritz Cilgenfritz: Hoje, a gente tem tanto o discurso de gestão do tempo, sustentabilidade. Hipotireoidismo, asma, enxaqueca, fibromialgia, síndrome do intestino irritável, ansiedade/depressão, hipertensão são condições comuns em mulheres na casa dos 40 anos - Se você for ver toda conhecida sua tem alguma dessas doenças ou mais de uma. Fora que aos 40 anos existem alguns rastreios e abordagens que devem ser individualizadas: coleta de citopatológico, mamografia, avaliação anual de Pressão Arterial, rastreio de obesidade/ diabetes, rastreio de dislipidemias, tabagismo. Agora imagina. É necessário um médico para cada, isso? Imagina o gasto (tempo, dinheiro seu, dinheiro do convênio, dinheiro do governo) que isso gera. A gente tem a cultura do "meu ginecologista" aqui no Brasil, mas se formos ver em outros sistemas, como o inglês, ginecologista é um cirurgião, porque as outras demandas clínicas como tratamentos mais "simples", rastreios, pré-natal de risco habitual são feitos pelos "General Practitioner" e outras categorias como enfermeiras obstéricas e parteiras (midwives). Ginecolgista se atém naquilo que ele foi capacitado, treinado exaustivamente: manejo cirúrgico e obstétrico de risco.
Um grande trunfo que ainda temos é a longitudinalidade. Tem estudos que mostram que ter um profissional de referência (independentemente da área) diminui risco de internações, abuso de medicamentos, uso racional de exames e aumenta a satisfação dos usuários com o sistema. É realmente perceptível que quanto mais tempo conhecemos os pacientes, mais proveitosa é a consulta e mais bem empregado é o tempo. Eu trabalhei em mais de uma UBS. Geralmente os 3 primeiros meses são muito difíceis porque você está conhecendo a realidade local. Aos 6 meses começa ter uma ordem e quando fecha um ano já começa a perceber que o trabalho fica mais fluido e quando as pessoas começam a confiar no seu trabalho é muito recompensador. Quando um paciente com vínculo marca uma consulta "só pra ouvir sua opinião" porque o especialista focal quer iniciar outra medicação e você dá sua chancela é muito recompensador.
DSV: As suas especializações são para quem?
No consultório a maioria dos meus pacientes tem como pano de fundo a dor crônica e de alguma forma a acupuntura está dentro do plano de tratamento. Muitas vezes são pessoas que não se sentem contempladas com seus especialistas focais. A dor tem um componente biológico, mas também psicológico, social e econômico embutido que precisa ser acolhido. E quem acolhe isso? Quando a gente fala de resolutividade muitas vezes não é só dar a prescrição assertiva, é ponderar, conversar e elencar possibilidades baseada nos sentimentos, ideias, funcionalidade e expectativa da pessoa e família.
DSV: Qual a importância do planejamento para noites mais tranquilas e dias sem dor?
DSV: Planejamento é importante para os seus resultados?
DSV: Carlos, me conta do que você teve que abrir mão para ter a profissão que tem hoje?
Carlos Augusto Vieira Ilgenfritz Cilgenfritz: Acho que o que foi mais duro para mim foi abrir mão de crenças limitantes. Eu "cresci" na faculdade querendo ser psiquiatra. Hoje entendo muito o motivo disso. Quando eu decidi fazer a residência de Medicina de Família e Comunidade eu fui na "cara e na coragem". Eu ouvi que eu era muito inteligente para ser só "médico de postinho", que não teria uma carreira, uma notoriedade. Eu entrei na residência muito achando que era isso mesmo (e estava tudo bem), porque eu não tinha exemplos de Médicos de Família para me espelhar - minha referência mais consciente foi no último ano da graduação. Hoje entendo e defendo que a MFC é uma especialidade médica como qualquer outra, tem seu espaço e tem seu mérito e cada vez mais não é só e apenas "médico de postinho".
Quando iniciei a pós-graduação em Acupuntura Médica, eu tive que abrir mão do preconceito. Na verdade, eu comecei a estudar a acupuntura por dois motivos: uma era ver as falhas que tanto se falava de "Acupuntura é só placebo", mas também poder entender a natureza humana e o processo de adoecimento dentro de outra perspectiva além da biomédica contemporânea alopática. Eu fiz pós-graduação durante a pandemia. Eu viajava 500 km 1 vez no mês para assistir às aulas quando voltaram a ser presenciais e a frequentar o ambulatório.
DSV: O que você diria para quem está começando no mercado de trabalho?
DSV: O que você pretende deixar de legado?
Para os meus pacientes, nada melhor que os resultados. O processo de educação e de "venda" é continuado. Eu tenho que ser explícito e explicar o que eu posso fazer e o que a pessoa pode esperar de mim. Quando a pessoa começa a ver resultados e tem a percepção que pode contar contigo - ou seja, quando a gente forma o vínculo - é muito recompensador. Não é o discurso passivo de "valorizem o Médico de Família" que vai resolver. É atrelar aqueles valores do médico resolutivo, daquele que coordena o cuidado, daquele que é a referência imediata para o indivíduo e família, aquele que costura o plano terapêutico e que quando não tiver perspectiva curativa, vai estar lá acolhendo do jeito que for possível tanto o indivíduo quanto a família.
DSV: Indique para nós: livro, filme e/ou seriado e um lugar especial
Carlos Augusto Vieira Ilgenfritz Cilgenfritz:
Livros:
Pacientes que curam: O cotidiano de uma médica do SUS (Júlia Rocha)
Diário dos abraços (Mayara Floss)
Série: Unidade Básica - Globo Play
Um lugar especial: Casa da minha avó Verônica.
Onde encontrar o Médico Carlos Augusto Ilgenfritz Cilgenfritz:
Redes Sociais e Contatos: @medico_carlosaugusto
Site: https://carlosilgenfritz.com/
WhatsApp: + 55 (51) 99281-2145
Sabia que aqui no blog tem mais de 100 títulos que já li e gostei?
Instagram: @svdanielle
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